O sol já começava a declinar quando o capitão Elias Monroe avistou, à distância, a silhueta branca de uma grande casa sulista. Erguia-se solitária no horizonte, cercada por fileiras de carvalhos e um vasto campo de algodão já colhido, como um fantasma das colheitas passadas. O vento soprava do sul, trazendo o cheiro do pó e da pólvora, misturado ao perfume adocicado das flores que sobreviviam teimosamente no jardim abandonado.
A tropa da União vinha de dias de marcha ininterrupta. Eram apenas treze homens, exaustos, com uniformes rasgados e rostos queimados pelo sol. Haviam se separado do regimento principal após uma escaramuça nas margens do rio Yazoo. Sem mapas, guiavam-se apenas pela intuição do capitão e o desejo desesperado de encontrar abrigo antes que a noite os engolisse.
Quando avistaram a mansão, alguns pensaram que fosse miragem. Era imponente demais para ainda estar de pé, com suas colunas brancas e varandas amplas, um símbolo dos velhos tempos de riqueza do sul. “Deve ter sido uma fazenda de algodão”, disse o sargento Whitaker, coçando a barba rala. “Uma casa de senhores, talvez. Agora é só mais um túmulo.”
Monroe olhou para ela em silêncio. No fundo, sentiu algo estranho — como se aquele lugar os observasse de volta. Ainda assim, ordenou que avançassem. A noite se aproximava, e a guerra não perdoava homens ao relento. Marcharam em silêncio, cruzando o campo seco, enquanto corvos giravam lentamente sobre suas cabeças.
A primeira coisa que notaram ao entrar foi o silêncio. Um silêncio denso, sufocante. As portas estavam escancaradas, o chão coberto de poeira e folhas. Mas os móveis estavam lá — sofás de veludo, cristaleiras cheias de taças, retratos nas paredes. E, no porão, dezenas de garrafas de vinho francês, intactas. “Parece que o dono saiu e nunca mais voltou”, murmurou o soldado O’Donnell.
Em poucos minutos, o cansaço se transformou em alívio. Os homens riram, beberam, acenderam lamparinas. Fizeram fogo na lareira, limparam um pouco o salão principal e se deixaram embalar pela sensação quase esquecida de conforto. Monroe, porém, mantinha-se inquieto. Olhava para os retratos — um homem de terno branco, uma mulher altiva de olhar severo, uma menina com um laço azul no cabelo. Famílias inteiras que talvez já tivessem sido varridas pela guerra.
Quando o relógio de parede soou as nove badaladas, algo pareceu estremecer na casa. Uma janela se fechou sozinha. O’Donnell, rindo, disse que era o vento. Mas Monroe sentiu um arrepio que não vinha da brisa. Mesmo assim, ordenou que descansassem. Amanhã voltariam a tentar o norte, para reencontrar o exército da União.
Enquanto os soldados adormeciam sobre sofás e tapetes, a lua ergueu-se por trás dos carvalhos. A luz prateada entrou pelas janelas quebradas, riscando o chão de sombras. E, por um instante, Monroe jurou ver uma figura branca passando ao longe — uma mulher, imóvel, no meio do campo de algodão.
Ele piscou. A visão sumiu.
Mas o mal-estar permaneceu.
Capítulo 2 – Ecos na Escuridão
A noite caiu densa sobre a planície. Dentro da grande casa, as chamas da lareira tremeluziam como corações inquietos. Os homens dormiam espalhados pelas salas, alguns sobre sofás de veludo rasgado, outros recostados contra as colunas do salão principal. O ar estava pesado de fumaça, vinho e o suor de dias de marcha. Apenas o capitão Monroe mantinha-se desperto, vigiando pela janela quebrada do andar superior.
Lá fora, o campo de algodão reluzia sob o luar — uma extensão branca e silenciosa, quase sagrada. O capitão pensou em como aquele algodão, outrora símbolo da riqueza do sul, agora cobria a terra como mortalha. Era um mar de fantasmas. O vento soprava leve, mas trazia sons distantes — talvez trovões, talvez o eco de cavalos. Ele se perguntou se seriam ecos de batalhas antigas ou o prelúdio de uma nova.
Descendo as escadas, Monroe encontrou o soldado Harper acordado, fumando perto da lareira. “Não consegue dormir, capitão?” perguntou o rapaz. “Não é o tipo de lugar que deixa um homem descansar fácil”, respondeu ele. Harper riu nervosamente. “Parece que os antigos donos ainda estão por aqui. Ouvi passos no andar de cima.” Monroe o fitou. “Certamente era eu.” Mas no fundo, não tinha certeza.
Ao explorar a casa, Monroe descobriu a cozinha intacta, com panelas ainda penduradas e louças alinhadas como se esperassem o jantar. Encontrou também uma pequena sala de música — um piano coberto de pó e partituras amareladas. Sentou-se diante do instrumento e, movido por impulso, pressionou uma tecla. Um som grave e desafinado ecoou pela casa, fazendo alguns soldados se revirarem no sono. E então, de algum lugar acima, veio o estalo nítido de uma porta se abrindo.
O capitão subiu novamente, cauteloso, arma em punho. No fim do corredor, a porta do quarto principal estava entreaberta. Ele a empurrou devagar. O quarto era vasto e escuro, com uma cama de dossel coberta por lençóis antigos. Sobre a penteadeira, um espelho oval refletia sua própria figura à luz da lamparina — mas por um instante, jurou ver outra silhueta atrás de si. Uma mulher, alta, vestida de branco, parada à beira da cama. Piscou, e ela desapareceu.
Assustado, Monroe voltou ao saguão. O relógio marcava quase meia-noite. A lareira crepitava baixo, e o sargento Whitaker ressonava alto, sonhando com casa. Lá fora, o vento aumentava. O som dos galhos parecia o murmúrio de vozes. E, de repente, veio um estampido seco — como um tiro. Todos despertaram num sobressalto, puxando as armas.
“De onde veio isso?”, gritou O’Donnell. Monroe correu até a varanda, o rifle em mãos. O campo de algodão permanecia imóvel. Nenhum movimento. Nenhum inimigo. Apenas o eco distante de cavalos, agora mais forte, vindo do sul. Os homens se entreolharam — a tensão era palpável. “Talvez apenas um caçador”, sugeriu Harper. Mas Monroe sabia: não havia caçadores em cem milhas. E o som dos cavalos soava organizado… militar.
Quando voltaram para dentro, o capitão fez o sinal da cruz. “Amanhã sairemos ao amanhecer”, disse ele. “Antes que o inferno nos encontre aqui.”
Mas o inferno já os observava.
E ele viria antes do sol.
Capítulo 3 – O Cerco
O amanhecer trouxe uma luz fria e silenciosa. O campo de algodão parecia coberto por uma fina névoa que se erguia do solo como fumaça de um campo de batalha esquecido. Monroe acordou cedo, antes dos outros, e subiu à varanda do segundo andar. O ar tinha cheiro de chuva e ferro. Daquela altura, podia ver milhas adiante — e o que viu fez seu sangue gelar: pequenas colunas de fumaça no horizonte. Sinais de acampamentos. Tropas confederadas.
Desceu às pressas. “Todos de pé!” bradou. Os soldados acordaram assustados, ainda tontos de vinho e sono. “Temos companhia. Os rebeldes estão perto.” O sargento Whitaker correu para o pátio com o binóculo em mãos. Confirmou o que o capitão dissera — cavaleiros ao sul, e mais dois grupos se movendo pela estrada a oeste. Eles estavam sendo cercados.
“Quantos são?”, perguntou O’Donnell.
“Pelo menos uns cinquenta. Talvez mais”, respondeu Whitaker, engolindo seco.
“E nós somos treze”, disse Harper, rindo sem humor.
Monroe não hesitou. “Vamos transformar esta casa num forte.” Em minutos, os homens se espalharam, empurrando móveis pesados contra portas e janelas, montando barricadas improvisadas com mesas e estantes. As garrafas de vinho foram substituídas por cartuchos e pólvora. As cortinas elegantes viraram bandagens e cordas. A mansão, outrora símbolo de luxo, tornava-se agora um campo de guerra.
No porão, encontraram um pequeno arsenal: uma velha espingarda de caça, algumas munições enferrujadas e, para espanto de todos, um canhão de campanha coberto por lonas. “Deus abençoe os velhos senhores do sul”, disse O’Donnell, limpando o pó do ferro. “Parece que um deles deixou um presente.” Monroe sorriu pela primeira vez em dias. “Então faremos com que valha a pena.”
Enquanto preparavam as defesas, um silêncio tenso tomou conta da casa. De tempos em tempos, um corvo cruzava o céu, grasnando como se anunciasse o que estava por vir. Monroe subiu novamente à varanda e observou o inimigo se aproximando. Podia ver agora as bandeiras cinzentas tremulando, os cavaleiros armados de fuzis e sabres. E entre eles, um oficial de barba branca montado num cavalo negro — parecia liderá-los com autoridade fria.
O capitão respirou fundo. “Whitaker, posicione dois homens no telhado. Quero olhos em todas as direções. Harper, vigie o flanco leste. O’Donnell, carregue o canhão.”
“E o senhor, capitão?”
“Eu? Vou rezar um pouco. E depois, lutar.”
Ao meio-dia, o primeiro disparo ecoou. Uma bala acertou o corrimão da varanda, arrancando uma lasca de madeira. Os homens da União responderam quase imediatamente, e o campo branco se encheu de fumaça. O som da guerra voltava a dominar o sul, fazendo tremer as colunas da antiga casa.
Por horas trocaram tiros. Os confederados, em número muito superior, cercaram a propriedade em semicírculo, atacando por ondas. Mas a mansão resistia. Cada janela se transformou em posto de tiro; cada sala, em trincheira. Os soldados da União, famintos e exaustos, lutavam com o fervor de homens que sabiam não ter para onde correr.
Quando o sol começou a descer, as paredes estavam cravejadas de buracos, e o chão, manchado de sangue. Dois dos homens caíram — Harper e o jovem Miller. Monroe fechou os olhos ao vê-los tombar, e por um instante, a culpa o sufocou. “Eles morreram lutando, capitão”, disse Whitaker, tentando confortá-lo. “É o que fazemos de melhor.” Monroe assentiu. Mas no fundo, sabia que aquilo não era glória — era apenas a lenta devoração da alma.
A noite caiu novamente sobre a casa. O fogo ardeu baixo nas barricadas, e o inimigo se afastou por ora. Lá fora, o campo de algodão agora ardia em chamas — branco transformado em vermelho. Monroe olhou pela janela e murmurou: “Eles não vão parar.”
E, ao longe, sob a lua, o som dos tambores começou a soar.
O cerco apenas começara.
Capítulo 4 – O Sangue e o Algodão
A madrugada amanheceu envolta em fumaça. As colinas ao redor da fazenda estavam cobertas de névoa e o campo de algodão parecia um tapete cinzento, silencioso, como se a própria terra contivesse a respiração antes do ataque. Os homens da União se movimentavam em silêncio dentro da casa. As barricadas haviam sido reforçadas, e o canhão encontrado no porão agora estava posicionado na varanda, apontado para a estrada.
O sargento Whitaker afiava sua baioneta junto à janela. “Eles virão hoje, capitão. Sei quando um homem está prestes a matar.”
Monroe assentiu, com o olhar duro. “Então que encontrem homens prontos para morrer também.”
Às sete da manhã, o primeiro ataque veio. Uma carga de cavaleiros confederados desceu a colina em formação, bandeiras cinzentas tremulando, gritos de guerra cortando o vento. Os disparos ecoaram, e o som das balas zunindo encheu o ar. O’Donnell puxou o gatilho do canhão, e uma explosão ensurdecedora abriu um clarão que iluminou o campo inteiro. Cavaleiros foram lançados ao ar, e os que sobreviveram se dispersaram em pânico.
Mas logo vieram mais — fileiras de infantaria surgiram da névoa, marchando em direção à casa. O som de tambores e cornetas misturava-se ao estalar das armas. As janelas da mansão cuspiam fogo. Harper, mesmo ferido, gritava ordens entre tiros. O’Donnell recarregava o canhão com as mãos ensanguentadas. Monroe, no alto da escadaria, observava tudo como um general de ruína, comandando não um exército, mas uma lembrança dele.
O chão tremeu com a intensidade dos disparos. A cada carga repelida, mais homens caíam. Um soldado chamado Lewis foi atingido no pescoço; outro, Briggs, teve o braço arrancado por uma bala de canhão. Ainda assim, ninguém recuou. A casa tornara-se viva — respirava, gemia, sangrava junto com eles. As paredes brancas estavam manchadas de vermelho, e o algodão no campo ardia em chamas, parecendo neve suja de sangue.
Quando a noite caiu, os confederados recuaram novamente. A casa estava de pé, mas mal. Parte do telhado havia desabado. Um incêndio consumia o celeiro. Monroe sentou-se exausto no degrau da escadaria, observando os corpos no chão. “Quantos restam?”, perguntou.
“Sete, senhor”, respondeu Whitaker. “Sete vivos.”
“Então somos o que resta da União neste maldito lugar.”
A chuva começou a cair, misturando-se ao sangue e à fuligem. O capitão olhou para o campo em brasas e murmurou: “Amanhã, eles virão em dobro.”
E sabia que era verdade.
Capítulo 5 – O Coração da Mansão
A chuva caiu durante toda a madrugada, abafando o som distante dos tambores confederados. A casa estava em ruínas. O teto gotejava, o chão era uma mistura de lama e sangue. Monroe e os poucos sobreviventes se reuniram na sala principal. Acenderam velas e improvisaram curativos. O silêncio era pesado — o tipo de silêncio que antecede a morte.
Enquanto cuidava dos feridos, Monroe notou algo estranho. No canto da sala, sob os escombros, havia uma pequena porta de ferro semioculta por um tapete. Parecia levar a um porão mais profundo. Tomado por curiosidade, abriu-a. Desceu com uma lamparina na mão e encontrou um ambiente que não parecia apenas um depósito. Era uma antiga adega, sim — mas no centro havia uma cadeira, algemas enferrujadas e marcas nas paredes. Um antigo porão de escravos castigados.
Ele se ajoelhou, tocando o ferro frio. O passado do sul estava ali — concreto, cruel. Entendeu, enfim, por que aquela casa parecia amaldiçoada. “Os pecados antigos nunca morrem”, murmurou. Ao voltar, encontrou Whitaker observando pela janela. “Eles se preparam para o amanhecer”, disse o sargento. “Estão trazendo reforços.”
Monroe olhou para os rostos dos homens. Nenhum fugiria. Nenhum se renderia. Mas todos sabiam: estavam condenados. Ainda assim, o capitão sentiu que havia algo quase sagrado naquela resistência. Não lutavam mais por vitória — lutavam para deixar uma marca. Para provar que, mesmo esquecidos, morreriam como soldados.
Durante a madrugada, o capitão subiu ao quarto principal. Sentou-se à frente do velho espelho. Pela primeira vez em dias, viu-se claramente — os olhos cansados, o rosto coberto de fuligem, o olhar endurecido. E atrás de si, a figura da mulher branca outra vez. Ela não falava, apenas observava. Monroe não sentiu medo, apenas um estranho consolo. “Você também perdeu alguém nesta guerra, não foi?”, murmurou. O reflexo desapareceu.
Quando o sol nasceu, ele estava pronto.
Capítulo 6 – A Última Linha
O terceiro dia começou com fogo. Os confederados abriram ataque com artilharia pesada, bombardeando a casa a distância. As colunas caíam uma a uma, e o som dos estalos era como ossos quebrando. Monroe ordenou que todos se abrigassem no andar inferior. Lá, cada homem ocupou uma janela, transformando cada quarto em trincheira.
O’Donnell foi o primeiro a cair. Um disparo atravessou a parede e o atingiu no peito. Ele ainda teve tempo de sorrir para Monroe antes de desabar. O capitão ajoelhou-se ao seu lado e fechou-lhe os olhos. “Descansa, soldado. Você já cumpriu sua parte.”
O resto continuou lutando. A fumaça era tanta que mal se via o inimigo. Tiros ecoavam de todas as direções. O calor do fogo misturava-se ao cheiro de pólvora e madeira queimando. A mansão tornara-se um inferno de estalos e gritos.
Ao meio-dia, apenas quatro homens restavam. Monroe, Whitaker, Harper e um recruta chamado Evans. O jovem tremia, segurando o rifle com as duas mãos. “Eles são muitos, capitão!”, gritou.
“Não olhe para eles, Evans. Olhe para mim”, respondeu Monroe. “Enquanto estivermos vivos, esta casa continua de pé.”
Quando o inimigo avançou pela varanda, Monroe acendeu o estopim do canhão pela última vez. A explosão lançou chamas e estilhaços. O impacto derrubou parte da fachada, e dezenas de confederados foram mortos instantaneamente. Mas o canhão rachou e explodiu junto, lançando o capitão contra a parede. O mundo girou. Tudo ficou vermelho.
Ao recobrar a consciência, Monroe viu apenas fumaça e vultos. Whitaker jazia morto. Harper desaparecera. Evans ainda respirava, mas mal. A casa estava em ruínas. Mesmo assim, lá fora, as tropas inimigas hesitavam. Por um momento, o silêncio reinou. E Monroe, coberto de sangue e cinzas, ergueu a bandeira azul da União sobre os escombros da varanda.
Um símbolo.
Um desafio.
Capítulo 7 – A Bandeira no Crepúsculo
A bandeira tremulava no vento, rasgada, manchada de lama e sangue. O sol começava a se pôr, tingindo o céu de vermelho. Do campo, os confederados observavam em silêncio. Ninguém se movia. Talvez respeitassem a coragem daqueles poucos homens. Talvez estivessem apenas se preparando para o golpe final.
Evans morreu ao entardecer. Monroe o enterrou atrás da casa, entre os restos queimados do jardim. “Você lutou como um homem”, disse baixinho. “E isso basta.” Ficou sozinho. O último. O vento trazia o som distante de vozes, ordens, o mover de cavalos. A noite cairia, e com ela viria o ataque final.
Antes que escurecesse por completo, o capitão subiu ao quarto principal. As paredes estavam chamuscadas, e o espelho partido refletia fragmentos de seu rosto. De repente, ouviu passos atrás de si. Virou-se com a arma em punho — e viu, pela última vez, a mulher de branco. Desta vez, ela falava.
“Sua luta já terminou, capitão. A casa está satisfeita.”
“Quem é você?” perguntou ele, a voz rouca.
“A senhora que viu este chão ser manchado. Agora, você devolveu a cor.”
Ela desapareceu. E Monroe, tomado por uma estranha paz, sorriu pela primeira vez em dias.
Capítulo 8 – O Fim do Cerco
O amanhecer chegou envolto em fumaça e silêncio. As tropas confederadas cercaram os escombros, preparadas para a invasão final. Mas nenhum tiro veio da casa. Nenhum som. Apenas o estalar de brasas e o bater de um pano ao vento — a bandeira da União, ainda tremulando sobre as ruínas.
Quando finalmente entraram, encontraram corpos carbonizados, estilhaços e destroços. No salão principal, de joelhos e ainda ereto, estava o corpo do capitão Monroe. O rifle repousava em suas mãos. O olhar, fixo na porta de entrada. Como se ainda guardasse a casa.
O oficial confederado — o mesmo homem de barba branca visto dias antes — retirou o chapéu. “Que ninguém toque nele”, ordenou. “Enterrem-no aqui. Ele lutou como soldado.”
E assim foi feito.
Sobre o túmulo improvisado, deixaram a bandeira azul. O vento soprou mais forte, e o campo de algodão balançou, cobrindo lentamente a casa destruída.
Capítulo 9 – Os Anos Passaram
Décadas depois, a guerra era apenas lembrança. A casa de algodão foi reconstruída parcialmente, transformada em museu. Diziam que, em noites de lua cheia, ainda se ouvia o eco de tiros e vozes. Turistas afirmavam ver uma silhueta na varanda, de farda azul, vigiando o campo.
Um guia local contava sempre a mesma história: “Treze homens da União encontraram abrigo aqui. Só um resistiu até o fim. O capitão Elias Monroe. Dizem que ele ainda guarda a casa, esperando a guerra acabar de verdade.”
Alguns riam. Outros se benziam. Mas todos, ao sair, olhavam para trás — e juravam ver uma sombra entre as colunas brancas.
Capítulo 10 – A Eternidade em Algodão
O tempo levou tudo — exércitos, glórias, memórias. Mas o campo de algodão ainda floresce. E nas manhãs em que o vento sopra do sul, o branco das flores parece cobrir o solo como lençol de fantasmas. Entre as ruínas da velha casa, a bandeira azul ainda tremula, desbotada, insistente.
Dizem que em certas madrugadas, quando o céu se cobre de névoa, pode-se ouvir o som de um canhão distante, um cavalo galopando, e uma voz firme ordenando: “Fiquem em suas posições, homens. Esta casa não cairá.”
E, por um instante, o mundo parece lembrar o preço do que chamamos de honra.
Pablo Aluísio.
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Pablo Aluísio.